Oliveiros S. Ferreira (Brasil) [1]
Hesito entre o filósofo e o militar. Ortega y Gasset sustentava que o homem
é ele e suas circunstâncias. O General Volkogonv escreveu que "se as
personalidades não fazem a História, então a História se faz por intermédio
das personalidades" .
Lula, Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim estão escrevendo História,
aproveitando- se das circunstâncias criadas em Honduras. Ao receber Don
Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, o trio responsável pela
condução da política externa brasileira comprometeu o Estado brasileiro com
a política interna de um país fora de sua área de influência geográfica e
deve estar comemorando a projeção que o Governo de Brasília ganhou nos meios
de comunicação e junto às Chancelarias de toda a América e, quem sabe, do
mundo.
Decidiram agir sozinhos? Ou terão comprometido, mais uma vez, o Brasil com a
condição de sipaio[2], o que terão feito se, simplesmente, atenderam a uma
sugestão de Washington? Prefiro acreditar na primeira hipótese. É para a
seriedade dela que desejo chamar atenção.
O Chanceler Amorim, se pretende nos convencer de que o Brasil soube da
chegada de Zelaya no momento em que este apertou a campainha da Embaixada,
deveria exibir uma fisionomia preocupada ao falar do assunto. A alegria que
deixou transparecer - e quem o viu na TV em entrevista poderá testemunhar -
é a de quem concluiu com êxito uma grande manobra. Manobra que, de fato,
assim grande deve ser considerada.
O albergue concedido a Zelaya foi uma grande manobra só comparável, por suas
conseqüências, ao plano Mannstein para a invasão da França em 1940. Os Três
Cavaleiros do Apocalipse diplomático devem tudo ter previsto para que a
repercussão do ato tivesse o alcance que teve.
Primeiro, a montagem da operação. Louve-se o sigilo que a cercou, embora um
ardiloso Bond, à luz de certos indícios, pudesse suspeitar de que alguma
coisa de grandioso estava em gestação. Os indícios saltavam aos olhos: a
posição assumida na reunião da OEA que suspendeu o Governo de Honduras sem
atentar para o fato de que a deposição de Zelaya obedecera aos ritos
constitucionais do seu país. Depois, a insistência com que o Chanceler
pôs-se a dizer que a maior responsabilidade pela solução desejada pelos
Estados representados na OEA caberia aos Estados Unidos por dezenas de
razões, duas das quais eram evidentes: interesses econômicos e preocupação
geopolítica. A bem dizer as coisas, não desejava que a senhora Clinton
colocasse o Departamento de Estado na primeira linha de fogo contra o
Governo hondurenho. Em seguida, e o fato é recente, a carga que o Delegado
brasileiro à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, fez para que
o Delegado hondurenho fosse afastado da reunião. Agora, a porta da Embaixada
que se abre -- oficialmente para surpresa de Brasília.
Segundo, o dia da operação. Zelaya poderia ter tocado a campainha da
Embaixada a qualquer momento desde que foi expulso de Tegucigalpa. Por que o
fez no dia 21 de setembro? Porque, no dia 22, Lula falará na ONU, abrindo a
Assembléia Geral. Porque, no dia 21, praticamente todo o mundo estava com as
atenções voltadas para Nova York, esperando a fala de Obama, dia 23. Como
disse o correspondente do Jornal Nacional na edição de 21, a atenção
voltou-se para Honduras. O que foi planejado deu excelente resultado - tal
qual na batalha da França.
Assim como na França em 1940, a manobra militar conquistou Paris, essa
manobra, agora, a dos Três Cavaleiros, permitiu que o Brasil do Presidente
Lula assumisse a liderança da América dita Latina, tal qual o Chefe do
Governo brasileiro sempre quis, nunca escondendo sua pretensão. Mais do que
Paris, a liderança realizou seu Dunquerque: os Estados Unidos saem de cena e
o Brasil, que já tem uma posição no Haiti, passa a ser agora interlocutor
válido para discutir problemas na América Central. Ultrapassado, o Coronel
Chávez não deve ter tido sono tranqüilo, de 21 para 22, se conseguiu dormir.
A menos que, como pensam e dizem os que gostam de ter o Foro de São Paulo
como inimigo público número 1 da cristandade, digam que tudo foi montado por
esta entidade subversiva.
Falei em Plano Mannstein porque o jovem General contrariou todas as
expectativas e ensinamentos do Estado-Maior alemão ao propor que a ofensiva
se desse por terreno suposto intransitável pelos franceses. Os Três
Cavaleiros brasileiros devem ter tido a assessoria de um grande advogado,
especialista em Direito Internacional e outras coisas mais: Zelaya não
entrou na Embaixada brasileira como refugiado político, mas como hóspede. Os
franceses tirariam o chapéu a essa sutileza que cria situação extremamente
embaraçosa para o atual Governo hondurenho e não só para ele -- este é um
fato único na história desta América tão sofrida.
Fosse Zelaya refugiado político à busca de asilo, amparado por convenção
interamericana, criaria situação semelhante à que Haya de la Torre deu
origem ao refugiar-se, em 1949, na Embaixada da Colômbia em Lima. Era de
fato refugiado político, mas o Governo peruano o tinha na conta de criminoso
comum e não lhe concedeu o salvo-conduto de praxe. O pleito durou cinco
anos, e só se resolveu após decisão da Corte Internacional de Justiça.
Refiro-me ao caso Haya de la Torre, porque o Governo hondurenho tem Zelaya
na conta de criminoso e acusa-o de tentar violar a Constituição, estando
sujeito a processo criminal. Hóspede, Zelaya não está amparado por convenção
alguma - exceto o Tratado que garante a extraterritorialida de da Embaixada
brasileira, nela podendo permanecer o tempo que desejar. Amorim tem perfeita
consciência do quid pro quo, tanto que fez questão de deixar claro que o
importante, entre outras coisas, era a segurança da Embaixada.
Creio, sinceramente, que o Coronel Chávez nada tem a ver com o que foi
planejado em Brasília. Mesmo que tenha, o que pouco importa, dada a
unanimidade em favor de Zelaya, o fato é que o Brasil de Lula, a partir
deste dia 21 de setembro, é o líder. Foi o Brasil dos Três Cavaleiros do
Apocalipse diplomático que criou as condições para que o Governo hondurenho
ficasse em xeque-esperam- que-mate! Foi o Brasil dos Três Cavaleiros que deu
os passos para que não haja mais quem pretenda impedir, usando métodos
constitucionais, que a Ordem prevista na Constituição seja violada. Foi o
Brasil desses Três Cavaleiros valentes que afastou os Estados Unidos da
América Ibérica (talvez para gozo de Obama) e agora espera, tranqüilo e
contente, que o Governo hondurenho abandone sua atitude "quixotesca" de, em
defesa da Soberania, desafiar a OEA, a UE, a ONU e quem mais vier.
Observação necessária: sabemos todos que os Cavaleiros do Apocalipse são
quatro... Resta-nos, pois, aguardar a chegada do Quarto Cavaleiro.
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[1] Professor de Política e Relações Internacionais da USP e da PUC-SP, e
ex-Diretor de Redação do jornal "O ESTADO DE S.PAULO"
[2] Sipaio - soldado natural da Índia, a serviço dos ingleses.
sábado, 26 de setembro de 2009
Honduras e o Apocalipse diplomático
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