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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Na China da era Deng não importa a cor do gato


Jayme Martins*

"Quando se traça um ideal, pode-se vislumbrar o que se pretende, mas é preciso evitar o impossível".(Aristóteles)
"Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que nela caibam, nem jamais aparecem novas e mais altas relações de produção antes que as condições materiais para sua existência tenham amadurecido no seio da sociedade anterior. Por isto, a humanidade se propõe sempre unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, sempre observamos que estes objetivos só vingam quando já se dão ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização". (Marx, no Prólogo de "Contribuição à Crítica da Economia Política")
A partir de 1978, isto é, depois da morte de Mao Zedong (1976), do fim da "revolução cultural" (1966-76), da derrubada do "Bando de 4" (1977), da liderança meteórica de Hua Guofeng (1977) e da reabilitação de Deng Xiaoping (1977), a economia chinesa, que seguia uma orientação de planejamento burocrático altamente centralizado, tornou-se, passo a passo, uma economia de mercado socialista descentralizada e desburocratizada, através do processo de Reforma e Abertura para o Exterior.
Tendo em vista antigo sonho nacional, alimentado desde os tempos imperiais, tanto por confucianos como por budistas e taoístas, de conquista do reino da harmonia em múltiplos aspectos, ocorreu na China uma alteração ideológica, correspondente à que prevalecia no PCCh antes da proclamação da República Popular (1949) e mesmo depois, até 1957/58, quando, na passagem do 1.o para o 2.o Plano Qüinqüenal, a direção chinesa, comandada por Mao, sofreu tremenda desmunhecada de "esquerda", com a precipitada criação das comunas populares rurais e com o aventuroso e mal sucedido "grande salto adiante".
Com a adoção do sistema de Reforma e Abertura, em vez de movimento de agitação política, tendo por centro a luta de classes (como aconteceu sobretudo durante a "revolução cultural"), esta deixou de ser considerada a contradição principal e passou-se a concentrar esforços na edificação econômica.
Prevaleceu, assim, a compreensão de que a contradição principal nesta etapa inicial de uma sociedade socializante (etapa que pode durar um século) reside na discrepância entre as crescentes necessidades materiais e culturais do povo e o atraso da produção social, ou seja, o atraso em educação, ciência, tecnologia e capital.
MODERNIZAÇÃO
Especificamente quanto às contradições de classes, Deng Xiaoping afirmou, em março de 1979, que "A luta de classes na sociedade socialista é algo que existe objetivamente, e não devemos subestimá-la nem exagerá-la". Com esta compreensão, a direção chinesa deu outro passo adiante, rejeitando a tese trotskista de "revolução permanente sob a ditadura do proletariado", que foi a diretriz básica da "revolução cultural".
Passou a prevalecer, então, a orientação pela qual tais contradições devem ser resolvidas de acordo com método definido, havia muito, pelo PCCh sobre os dois tipos de contradições sociais – as antagônicas e as não-antagônicas --, assegurando-se, assim, uma situação de estabilidade, unidade e harmonia, indispensável ao processo de modernização do País.
FUNÇÃO DO MERCADO
A economia planificada super-centralizada (operada exclusivamente por diretrizes administrativas) foi descartada, passando o mercado a desempenhar papel cada vez maior na vida econômica. O ponto de partida para a manifestação pública desta compreensão pela direção chinesa data de 1978, quando decidiu que a economia planificada fosse tomada como o principal, tendo como auxiliar a função reguladora do mercado. Já era um salto adiante em relação ao velho sistema imperante, que admitia apenas a economia planificada centralizada. Esta decisão data da Sessão Plenária do Comitê Central do PCCh, realizada em dezembro de 1978
Esta e outras decisões tratavam de eliminar, no essencial, perniciosas posições "esquerdistas" consistentes em fazer a revolução apenas pela revolução, passando por alto a importância do desenvolvimento das forças produtivas e provocando nestas, assim como na superestrutura, desastrosas alterações.
Em novembro de 1979, ao receber Massayoshi Ohira, então primeiro-ministro do Japão, Deng Xiaoping referiu-se, pela primeira vez, à economia de mercado como "uma conquista da civilização humana" e que ela "já florescia dentro mesmo da sociedade feudal" (a economia mercantil). Logo depois, apareciam na imprensa chinesa declarações suas, no sentido de que, como mecanismo de gestão, como conjunto de meios e métodos de distribuição dos recursos naturais, "a economia de mercado é fruto do desenvolvimento econômico do mundo moderno".
Em 1984, a economia chinesa seria oficialmente caracterizada como economia mercantil planificada, distanciando-se ainda mais da concepção que contrapunha a economia mercantil à economia planificada.
ECONOMIA DE MERCADO SOCIALISTA
Ainda por alguns anos, a concepção segundo a qual a economia de mercado seria própria, exclusiva, do capitalismo, continuou dificultando novos passos teóricos e práticos nesse sentido, devido à resistência "esquerdista" dentro da direção chinesa. Contudo, o desenvolvimento econômico e a necessidade de aprofundar as reformas ajudaram a aclarar a questão, com o que alguns dirigentes passaram a falar em economia de mercado socialista.
Em viagem de inspeção pelo Sul do País, em princípios de 1992, Deng Xiaoping botava os pingos nos is, ao afirmar textualmente que "economia planificada não é sinônimo de socialismo, pois no capitalismo também existe plano, e economia de mercado não é sinônimo de capitalismo, já que no socialismo também existe mercado".
Por fim, em outubro de 1993, o Congresso Nacional do PCCh homologou o termo economia de mercado socialista, logo referendado pela Assembléia Popular Nacional, através de emenda constitucional, conferindo-lhe força de lei.
Segundo Deng Xiaoping, a diferença essencial entre economia socialista e economia capitalista não consiste em um pouco mais de plano ou um pouco mais de mercado. Ela está em qual sistema de propriedade – pública ou privada – exerce o papel dirigente da economia. Segundo ele, em nossos dias, nenhum país adota de forma pura nem a economia de mercado, nem a economia planificada, pois, desta ou daquela forma, plano e mercado estão sempre combinados em qualquer país – uns acentuando o plano, outros enfatizando o mercado competitivo.
A China adota oficialmente uma economia sujeita à regulamentação macroeconômica do Estado, mas atribui cada vez mais ao mercado o papel fundamental na distribuição dos recursos.
CARACTERÍSTICAS CHINESAS
A direção chinesa sempre faz questão de acentuar que a economia de mercado socialista adotada tem características chinesas, ou seja, corresponde obrigatoriamente ao atual nível de desenvolvimento de suas forças produtivas, estando livre de qualquer voluntarismo ou outras atitudes que não correspondam à capacitação do País em termos de educação, ciência, tecnologia e capital (venha este de onde vier).Trata-se de uma posição que a liderança chinesa já assumira antes mesmo da proclamação da República Popular (1949).
CORRESPONDÊNCIA OBRIGATÓRIA
Lembrando que o socialismo não pode advir da noite para o dia, nem ser implantado por decreto ou voluntariosamente na marra (como se pretendeu desastradamente em alguns países), com o conseqüente abandono de leis econômicas fundamentais enunciadas pelos clássicos do marxismo para a sociedade socialista, o economista Xue Muqiao, diretor do Instituto Nacional de Economia, em seu livro "Problemas da economia socialista chinesa", condena o desprezo com que era vista na China, até 1978, a "Lei objetiva da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o nível de desenvolvimento das forças produtivas", assim formulada por Marx, no prólogo de sua obra "Contribuição à crítica da economia política":
"Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que nela caibam, nem jamais aparecem novas e mais altas relações de produção, antes que as condições materiais para sua existência tenham amadurecido no seio da sociedade anterior. Por isto, a humanidade se propõe sempre unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, sempre observamos que estes objetivos só vingam quando já se dão ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização".
TODAS AS INICIATIVAS
É exatamente sob tal orientação que hoje são permitidas na China, além da estatal, todas as formas de empreendedorismo: a privada, a coletiva, a mista (da estatal com a privada nacional, da estatal com a privada estrangeira, da privada nacional com a privada estrangeira, da estatal chinesa com estatal estrangeira) e até a da iniciativa privada 100% estrangeira, desde que dedicada à importação de tecnologia e à exportação de sua produção, a fim de render divisas para o País. Mais de 60% do PIB chinês já é proveniente da iniciativa privada.
Antes mesmo disso tudo, já em 1962, Deng Xiaoping já se saia com a polêmica metáfora: Pouco importa que o gato seja preto ou amarelo, o que interessa é que ele cace os ratos".
REMOVENDO O "ESQUERDISMO"
Na mesma ocasião, num balanço das quase quatro décadas anteriores, ele dizia:
"A verdade é que, nestes 38 anos desde 1949, cometemos uma montanha de erros. Nossa meta fundamental – construir o socialismo – é correta, mas ainda estamos tentando compreender o que seja socialismo e de que forma construí-lo. A principal tarefa do socialismo é desenvolver as forças produtivas. (...) Contudo, nós atuamos muito mal no desenvolvimento das forças produtivas. E isso principalmente porque tivemos pressa demais, adotamos políticas de "esquerda", e o resultado foi que, em vez de acelerar o desenvolvimento das forças produtivas, nós o atrapalhamos. Começamos pelos nossos erros "esquerdistas" no campo da política, em 1957; no campo econômico, esses erros conduziram ao 'grande salto adiante' de 1958, o qual redundou em penúria para o povo e estragos imensos na produção. De 1959 a 1961, passamos por tremendas dificuldades – a população não tinha o que comer, para não mencionar outras coisas. Em 1962, as coisas começaram a melhorar, e a produção
Voltou gradualmente ao nível anterior. Mas o pensamento de "esquerda" persistia. Então, em 1966, veio a 'revolução cultural', que durou uma década inteira, um verdadeiro desastre para a China. (...)Diziam-nos que devíamos estar satisfeitos com a pobreza e o atraso, e que era melhor ser pobre em um regime socialista e comunista do que ser rico em um regime capitalista. Foi este o tipo de asneira propagada pela 'bando de 4'. A tese absurda do 'bando de 4' sobre socialismo e comunismo só gerou pobreza e estagnação.
"Nos dois primeiro anos, depois que esmagamos o 'bando de 4', nem todos os erros de 'esquerda' foram corrigidos. Os anos de 1877 e 1978 foram um período de hesitação na China. Só em dezembro de 1978, quando o 11.o Comitê central realizou sua 3.a Sessão Plenária, foi que passamos a fazer uma análise séria de nossas experiências ao longo dos 30 anos desde a fundação da Nova China. Formulamos então uma série de novas políticas, notadamente a política de reforma e a política de abertura, tanto interna como externa. Definimos uma nova linha mestra que mudaria o foco de nosso trabalho para a construção econômica, derrubando todos os obstáculos e devotando todas as nossas energias ao avanço da modernização socialista. Para alcançar a modernização, implementar a reforma e fazer a abertura política, precisamos, internamente, de estabilidade política e unidade e, externamente, de um ambiente internacional pacífico. Com isto em mente, firmamos uma política externa que,em essência, cifra-se na oposição ao hegemonismo e na preservação da paz mundial".
REMOVENDO AS DIFERENÇAS
Para que se efetive a meta de estabilidade, unidade e harmonia, a liderança chinesa tem hoje como prioridades reduzir os principais desequilíbrios existentes, como as diferenças de renda entre ricos e pobres; a diferença entre os níveis de desenvolvimento dos centros urbanos e do meio rural; tratam também de promover no Centro e no Oeste do País o nível de desenvolvimento conseguido nas províncias litorâneas do Leste.
Outras prioridades: impor um paradeiro à corrupção burocrática, responsável pelo desvio anual de bilhões de yuans; conter a devastação ecológica ocasionada por uma industrialização descontrolada, a qual afetou profundamente o solo, a água e o ar, por toda parte.

* Jayme Martins, jornalista, é diretor da Overchina Editora.,Diretor de Comunicação da Câmara de Comércio & Indústria Brasil-China; viveu na China por 20 anos (1962-79 e 1987-89), como correspondente de vários órgãos da mídia brasileira (O Globo, Estadão, JT, SBT, Rádio Guayba, Rádio Eldorado), foi copidesque do Serviço de Português da Rádio China Internacional e professor de Português na Universidade de Línguas Estrangeiras; jayme.overchina@gmail.com ).

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