O presidente Lula, em discurso direto do plenário do Centro de Convenções Bella Center, onde ocorre a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP15), em Copenhague (Dinamarca), enfatizou que os países não devem ficar a espera de decisões de outros parceiros sob risco de “descobrir que é tarde demais”. Segundo o presidente brasileiro, “a mudança do clima é dos problemas mais graves que enfrenta a humanidade”.
“O combate à mudança do clima não pode fundamentar-se na perpetuação da pobreza. A mitigação é essencial. Mas a adaptação é um desafio prioritário para países em desenvolvimento, sobretudo para as pequenas ilhas e países sujeitos à desertificação, especialmente na África. É inaceitável que os países menos responsáveis pela mudança do clima sejam suas primeiras e principais vítimas. A Convenção estabeleceu a obrigação dos países desenvolvidos de oferecer apoio financeiro e tecnológico para os países em desenvolvimento. Será muito difícil aprofundar as iniciativas de mitigação ou reforçar a capacidade de adaptação, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis, sem que os fluxos financeiros tenham forte componente de financiamento público. Mecanismos de mercado podem ser úteis, mas nunca terão a magnitude ou a previsibilidade necessárias para a transformação que queremos”, disse.
Lula disse que os mecanismos de mercado para obtenção de recursos para a mitigação “podem ser úteis, mas nunca terão a magnitude ou a probabilidade ou a previsibilidade necessárias para a transformação que queremos”. Para o presidente, “será muito difícil aprofundar as iniciativas de mitigação ou reforçar a capacidade de adaptação, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis, sem que os fluxos financeiros tenham forte componente de financiamento público”.
No pronunciamento oficial, o presidente lembrou que o Brasil precisará de US$ 160 bilhões até 2020 para alcançar as metas de redução dos gases do efeito estufa. Além disso, Lula destacou que o país dispõe de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 85% da energia gerada proveniente de recursos hídricos. Ressaltou também o compromisso na redução, até 2020, do desmatamento na Amazônia em 80%.
“O Congresso Brasileiro aprovou meu Projeto de Lei que contém um conjunto de ações envolvendo combate ao desmatamento, agricultura, energia e siderurgia. Essas medidas deverão reduzir o crescimento das emissões brasileiras de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9%, até 2020. Esse esforço nos custará 160 bilhões de dólares”, destacou.
“O Brasil participa desta Conferência com a determinação de obter resultados ambiciosos. Mas essa ambição tem de ser compartilhada por todos. As fragilidades de uns não podem servir de pretexto para recuos ou vacilações de outros. Não é politicamente racional, nem moralmente justificável, colocar interesses corporativos e setoriais acima do bem comum da humanidade. A hora de agir é esta. O veredito da história não poupará os que faltarem a suas responsabilidades neste momento.”
Leia aqui a íntegra do discurso do presidente Lula.
Blog do Planalto
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Lula na COP-15:Mudança do clima é um dos problemas mais graves da humanidade
Pesquisa do Ipea aponta pobreza marcante em Palmeira dos Índios
Palmeira dos Índios, com 9.800 famílias pobres para uma população de 72 mil habitantes é o município alagoano com maior numero de pessoas na pobreza, segundo um estudo feito e divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O cálculo de 4 pessoas por cada família – usual em modelos desse gênero de pesquisa – mostra que aproximadamente 40 mil palmeirenses, isto é, mais da metade da população está mergulhada nesta condição. A cima disso estão os municípios de Arapiraca, que tem 27.800 famílias pobres para 208 mil habitantes e que, proporcionalmente, tem menos pobres que Palmeira; e Maceió que tem 95 mil famílias pobres para uma população de 924 mil habitantes, tendo menos pobres, proporcionalmente, que Palmeira ou Arapiraca.
O estudo inédito do Ipea destina-se a fazer um “raio x” da presença do Estado em toda a União, estados e municípios. Pretende responder aonde é que o Estado está presente ou não. As áreas estudadas são previdência social, assistência social, saúde, educação, trabalho, bancos públicos, infra-estrutura, segurança pública e cultura. As conclusões permitem o conhecimento das deficiências e características de cada local e do conjunto. Por exemplo: quase 3 mil municípios não possuem agências de bancos públicos federais. Cerca de 80 municípios não possuem escola municipais. O SUS – Sistema Único de Saúde, por meio de estabelecimentos ambulatoriais, está presente em todo o território nacional, com exceção de apenas dois municípios. O Ipea pesquisou cada um dos 5.564 municípios.
No livro a ser lançado pelo Ipea com essas informações, intitulado: Presença do Estado no Brasil: Federação, Suas Unidades e Municipalidades, todos os 1.792 municípios nordestinos são mapeados. Segunda região mais populosa do Brasil, segundo o estudo, é possível encontrar aí informações sobre a quantidade de funcionários em cada município, alunos matriculados, atendimentos feitos pelo SUS, população, área territorial... Trata-se de um vasto e detalhado banco de dados.
Em Alagoas, os 102 municípios mapeados, apresentaram uma população de 3 milhões, 128 mil habitantes com 408 mil famílias pobres. Mantido o cálculo de 4 pessoas por família, os pobres de Alagoas somam pouco mais que 1 milhão e 600 mil pessoas, a metade dos habitantes de Alagoas. Uma das características reveladas é uma certa constância da proporção entre a pobreza e o outro lado da sociedade. Atalaia, por exemplo, com 52 mil habitantes tem 6.400 famílias pobres. Campo Alegre, com 46.700 habitantes tem 6.300 famílias pobres. Coruripe, com 53 mil habitantes tem 6.700 famílias pobres. A tendência, entretanto, é sempre que a metade ou mais da população seja pobre. Girau do Ponciano, por exemplo, para 36 mil habitantes tem 5.300 famílias pobres o que dá em torno de 60% de pobres. Limoeiro de Anadia para 26 mil habitantes tem 4300 famílias pobres também em torno de 60%.
No caso de Palmeira dos Índios a situação não é muito diferente do que ocorre noutro Estado. A particularidade está em que é uma progressiva deterioração do sistema econômico que responde pela crescente marginação dos palmeirenses. No ano passado, por exemplo, o valor total dos benefícios pagos pelo sistema previdenciário aos palmeirenses chegou aos 104 milhões de reais durante todo o ano. Isto equivale a quase duas vezes ao Orçamento do Município em que a Prefeitura tem que gerir para o mesmo ano de 2008. E é igual ao orçamento para 2010. A conclusão é que aposentados, pensionistas e sub-assalariados (já que a prática do salário inferior ao mínimo está altamente disseminada), respondem pelo fluxo econômico principal de Palmeira. As poucas indústrias, sem uma política econômica voltada para promovê-las e a omissão da prefeitura no encaminhamento das questões pertinentes ao desenvolvimento econômico, ajudam a manter o marasmo que envolve o município. A situação encontra um símbolo perfeito para representá-la na constituição da nova Ong anunciada pela Diocese para o município: trata de uma instituição para cuidar apenas da pobreza, dos que ficaram à margem de tudo. Noutros termos: há pobres demais. E eles enchem hospitais e postos de saúde, e as filas do Bolsa Família e os recintos da igreja, e as esquinas das ruas, claro, terminando nas Ongs e no desespero público.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Colégio Cenecista Santana promoverá a III Semana do Meio Ambiente
SUSTENTABILIDADE. Com este solgan, a Semana de Meio Ambiente do Colégio Cenecista Santana pretende discutir com a população e os discentes um dos maiores problemas ambientais do planeta: a geração de resíduos sólidos. A proposta é apresentar experiências e ações para transformar os resíduos em energia e renda, e mostrar seus benefícios econômicos, ambientais e sociais.
Mais afinal, o que é sustentabilidade?
Sustentabilidade é um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana.
Propõe-se a ser um meio de configurar a civilização e atividade humanas, de tal forma que a sociedade, os seus membros e as suas economias possam preencher as suas necessidades e expressar o seu maior potencial no presente, e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, planejando e agindo de forma a atingir pró-eficiência na manutenção indefinida desses ideais.
A sustentabilidade abrange vários níveis de organização, desde a vizinhança local até o planeta inteiro.
Para comemorar a data, diversas instituições e organizações promoverão palestras, cursos e encontros para debater a importância da preservação do meio ambiente. Veja aqui algumas delas a partir de Janeiro e programe-se!
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Começa hoje a 15ª Conferência das Partes das Mudanças Climáticas
Criar um fundo de no mínimo US$ 300 bilhões para que os países em desenvolvimento consigam se adaptar aos desafios impostos pelas consequências do aquecimento global; reduzir drasticamente o desmatamento de florestas; estabelecer um conjunto de ações nacionais de mitigação para os estragos já existentes e compartilhar tecnologias de ponta com quem não as detém. Esses são alguns dos principais desafios que começam a ser discutidos hoje em Copenhague, na Dinamarca, durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção das Mudanças Climáticas. O desafio da Organização das Nações Unidas (ONU), que preparou o encontro entre os chefes de Estado, vai além de criar um fórum adequado para o debate sobre um tema de vital importância. A maior expectativa é de que dali saiam instrumentos e um cronograma para a implementação de planos com a meta de garantir a própria sobrevivência da humanidade.
Está em jogo o comprometimento de cada país com o futuro - seja do ponto de vista ambiental, para assegurar condições mínimas de segurança alimentar aos mais de 6 bilhões de famintos ou para evitar que avancem as possibilidades de escassez de água potável. É preciso também se debruçar sobre a saúde pública, no que tange ao ressurgimento de doenças até então erradicadas em alguns locais, mas que com as mudanças climáticas voltam a assolar comunidades inteiras. Além disso, há a difícil tarefa de lidar com a pobreza extrema e as desigualdades sociais gritantes, em países que ainda estão se desenvolvendo economicamente como o Brasil, a Índia, a Indonésia, tendo que falar ao mesmo tempo em manter as árvores de pé. O desafio é dantesco. Muitos interesses políticos e econômicos estão envolvidos.
Otimismo
Para o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, nem tudo será decidido em Copenhague. "Mas estou bem mais otimista do que estava há dois meses. Acho que o Brasil teve um papel importante nas duas últimas semanas, quando anunciou suas metas, pois na sequência vieram os Estados Unidos e a China (que respondem juntos por 40% das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono), que estavam dando o abraço dos afogados, anunciando o naufrágio do encontro antes da hora e acabaram recuando; depois vieram as metas da Índia, da Indonésia e da Coreia. Fomos uma peça essencial, como no jogo de xadrez, provocando uma reação em cadeia. Agora, acho que ninguém vai tirar seus números, mas promover um avanço nessa discussão", diz.
Segundo a diretora de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Branca Americano, vai estar tudo na mesa, principalmente a visão compartilhada que deve haver entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, de mitigar os danos, adaptar às mudanças e à meta de redução, financiar nações mais pobres e compartilhar tecnologias de desenvolvimento limpo com quem precisa. "É preciso que a conferência crie uma sinalização mundial de mudança", comenta.
Os líderes europeus têm sido dos poucos a falar em dinheiro para financiar as adaptações necessárias às mudanças no clima. Recentemente, eles concordaram em defender uma "contribuição pública internacional" de até US$ 75 bilhões anuais até 2020, para financiar o combate ao aquecimento global nos países em desenvolvimento.
De acordo com o secretário-executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas, Milton Nogueira, as convulsões no planeta podem ser irreversíveis se não forem adotadas metas agregadas de no mínimo 40% em termos de reduções de emissão de gases e medidas que evitem o aumento da temperatura na terra em mais 2ºC. "Como de 1990 para cá as emissões aumentaram muito, a redução real deve ser entre 60% e 70%. A nova regulação em relação ao Protocolo de Kyoto precisa sair dessa conferência", argumenta. As cartas estão na mesa. As organizações não governamentais vão pressionar, e muito, os chefes de Estado que estarão em Copenhague. Resta aos que decidem pensar globalmente, e não de forma imediatista, mas para as futuras gerações.
Entenda quais os principais pontos em discussão durante a COP-15
Redução de emissões
» O maior desafio é conseguir compromissos de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa até 2020, um passo importante no objetivo fixado para 2050 de reduzir em 50% a emissão anual de dióxido de carbono (CO2). Reduzir essas emissões implica um custo econômico em termos de eficiência energética e de mudança para tecnologias menos poluentes, medida que a crise econômica mundial tornou ainda mais polêmica. Os países industrializados são responsáveis pela atual situação, mas também deve ser levado em conta o futuro papel das economias emergentes, como Brasil, China e Índia, que hoje são fonte de metade das emissões de CO2.
Financiamento
» A meta é angariar fundos para ajudar os países em desenvolvimento a migrarem para uma economia com menos emissões de carbono, além de medidas de adaptação às inevitáveis consequências das mudanças climáticas. Os países pobres querem que os industrializados prometam 1% de seus Produtos Internos Brutos (PIB) por ano. A União Europeia (UE) considera que serão necessários US$ 150 bilhões anuais. Em Copenhague, os países participantes tentarão encontrar uma solução provisória, com um princípio de financiamento de bilhões de dólares no início de 2010. Outro tema espinhoso é definir quais instituições serão encarregadas da gestão desses recursos. Os países pobres já expressaram suas críticas contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Status legal
» Apesar dos vários encontros preparatórios, ainda não se chegou a nenhuma conclusão sobre o problema do status legal do futuro acordo. Os países em desenvolvimento querem que o Protocolo de Kyoto de 1997 seja estendido além de seu vencimento, em 2012. Entretanto, os Estados Unidos abandonaram esse protocolo, porque ele só é juridicamente vinculante para os países desenvolvidos, deixando de fora os emergentes e em desenvolvimento. Diante desse quadro, são duas as possibilidades: ampliar Kyoto, estabelecendo relações com os Estados Unidos, ou abandonar o Protocolo e adotar um novo acordo que inclua o país presidido por Barack Obama.
Desmatamento
» Os países com vastas florestas tropicais pressionam por um acordo que os ajude financeiramente a preservar os "pulmões" do planeta contra as emissões de CO2. No entanto, essa proposta enfrenta problemas técnicos, como, por exemplo, maneiras eficazes de medir a preservação e prevenir a corrupção e o desvio de dinheiro, garantindo que os recursos sejam de fato empregados para ajudar os países em desenvolvimento.
Fonte: Correio Braziliense - 07/12/2009
Cristiana Andrade
Na China da era Deng não importa a cor do gato
Jayme Martins*
"Quando se traça um ideal, pode-se vislumbrar o que se pretende, mas é preciso evitar o impossível".(Aristóteles)
"Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que nela caibam, nem jamais aparecem novas e mais altas relações de produção antes que as condições materiais para sua existência tenham amadurecido no seio da sociedade anterior. Por isto, a humanidade se propõe sempre unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, sempre observamos que estes objetivos só vingam quando já se dão ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização". (Marx, no Prólogo de "Contribuição à Crítica da Economia Política")
A partir de 1978, isto é, depois da morte de Mao Zedong (1976), do fim da "revolução cultural" (1966-76), da derrubada do "Bando de 4" (1977), da liderança meteórica de Hua Guofeng (1977) e da reabilitação de Deng Xiaoping (1977), a economia chinesa, que seguia uma orientação de planejamento burocrático altamente centralizado, tornou-se, passo a passo, uma economia de mercado socialista descentralizada e desburocratizada, através do processo de Reforma e Abertura para o Exterior.
Tendo em vista antigo sonho nacional, alimentado desde os tempos imperiais, tanto por confucianos como por budistas e taoístas, de conquista do reino da harmonia em múltiplos aspectos, ocorreu na China uma alteração ideológica, correspondente à que prevalecia no PCCh antes da proclamação da República Popular (1949) e mesmo depois, até 1957/58, quando, na passagem do 1.o para o 2.o Plano Qüinqüenal, a direção chinesa, comandada por Mao, sofreu tremenda desmunhecada de "esquerda", com a precipitada criação das comunas populares rurais e com o aventuroso e mal sucedido "grande salto adiante".
Com a adoção do sistema de Reforma e Abertura, em vez de movimento de agitação política, tendo por centro a luta de classes (como aconteceu sobretudo durante a "revolução cultural"), esta deixou de ser considerada a contradição principal e passou-se a concentrar esforços na edificação econômica.
Prevaleceu, assim, a compreensão de que a contradição principal nesta etapa inicial de uma sociedade socializante (etapa que pode durar um século) reside na discrepância entre as crescentes necessidades materiais e culturais do povo e o atraso da produção social, ou seja, o atraso em educação, ciência, tecnologia e capital.
MODERNIZAÇÃO
Especificamente quanto às contradições de classes, Deng Xiaoping afirmou, em março de 1979, que "A luta de classes na sociedade socialista é algo que existe objetivamente, e não devemos subestimá-la nem exagerá-la". Com esta compreensão, a direção chinesa deu outro passo adiante, rejeitando a tese trotskista de "revolução permanente sob a ditadura do proletariado", que foi a diretriz básica da "revolução cultural".
Passou a prevalecer, então, a orientação pela qual tais contradições devem ser resolvidas de acordo com método definido, havia muito, pelo PCCh sobre os dois tipos de contradições sociais – as antagônicas e as não-antagônicas --, assegurando-se, assim, uma situação de estabilidade, unidade e harmonia, indispensável ao processo de modernização do País.
FUNÇÃO DO MERCADO
A economia planificada super-centralizada (operada exclusivamente por diretrizes administrativas) foi descartada, passando o mercado a desempenhar papel cada vez maior na vida econômica. O ponto de partida para a manifestação pública desta compreensão pela direção chinesa data de 1978, quando decidiu que a economia planificada fosse tomada como o principal, tendo como auxiliar a função reguladora do mercado. Já era um salto adiante em relação ao velho sistema imperante, que admitia apenas a economia planificada centralizada. Esta decisão data da Sessão Plenária do Comitê Central do PCCh, realizada em dezembro de 1978
Esta e outras decisões tratavam de eliminar, no essencial, perniciosas posições "esquerdistas" consistentes em fazer a revolução apenas pela revolução, passando por alto a importância do desenvolvimento das forças produtivas e provocando nestas, assim como na superestrutura, desastrosas alterações.
Em novembro de 1979, ao receber Massayoshi Ohira, então primeiro-ministro do Japão, Deng Xiaoping referiu-se, pela primeira vez, à economia de mercado como "uma conquista da civilização humana" e que ela "já florescia dentro mesmo da sociedade feudal" (a economia mercantil). Logo depois, apareciam na imprensa chinesa declarações suas, no sentido de que, como mecanismo de gestão, como conjunto de meios e métodos de distribuição dos recursos naturais, "a economia de mercado é fruto do desenvolvimento econômico do mundo moderno".
Em 1984, a economia chinesa seria oficialmente caracterizada como economia mercantil planificada, distanciando-se ainda mais da concepção que contrapunha a economia mercantil à economia planificada.
ECONOMIA DE MERCADO SOCIALISTA
Ainda por alguns anos, a concepção segundo a qual a economia de mercado seria própria, exclusiva, do capitalismo, continuou dificultando novos passos teóricos e práticos nesse sentido, devido à resistência "esquerdista" dentro da direção chinesa. Contudo, o desenvolvimento econômico e a necessidade de aprofundar as reformas ajudaram a aclarar a questão, com o que alguns dirigentes passaram a falar em economia de mercado socialista.
Em viagem de inspeção pelo Sul do País, em princípios de 1992, Deng Xiaoping botava os pingos nos is, ao afirmar textualmente que "economia planificada não é sinônimo de socialismo, pois no capitalismo também existe plano, e economia de mercado não é sinônimo de capitalismo, já que no socialismo também existe mercado".
Por fim, em outubro de 1993, o Congresso Nacional do PCCh homologou o termo economia de mercado socialista, logo referendado pela Assembléia Popular Nacional, através de emenda constitucional, conferindo-lhe força de lei.
Segundo Deng Xiaoping, a diferença essencial entre economia socialista e economia capitalista não consiste em um pouco mais de plano ou um pouco mais de mercado. Ela está em qual sistema de propriedade – pública ou privada – exerce o papel dirigente da economia. Segundo ele, em nossos dias, nenhum país adota de forma pura nem a economia de mercado, nem a economia planificada, pois, desta ou daquela forma, plano e mercado estão sempre combinados em qualquer país – uns acentuando o plano, outros enfatizando o mercado competitivo.
A China adota oficialmente uma economia sujeita à regulamentação macroeconômica do Estado, mas atribui cada vez mais ao mercado o papel fundamental na distribuição dos recursos.
CARACTERÍSTICAS CHINESAS
A direção chinesa sempre faz questão de acentuar que a economia de mercado socialista adotada tem características chinesas, ou seja, corresponde obrigatoriamente ao atual nível de desenvolvimento de suas forças produtivas, estando livre de qualquer voluntarismo ou outras atitudes que não correspondam à capacitação do País em termos de educação, ciência, tecnologia e capital (venha este de onde vier).Trata-se de uma posição que a liderança chinesa já assumira antes mesmo da proclamação da República Popular (1949).
CORRESPONDÊNCIA OBRIGATÓRIA
Lembrando que o socialismo não pode advir da noite para o dia, nem ser implantado por decreto ou voluntariosamente na marra (como se pretendeu desastradamente em alguns países), com o conseqüente abandono de leis econômicas fundamentais enunciadas pelos clássicos do marxismo para a sociedade socialista, o economista Xue Muqiao, diretor do Instituto Nacional de Economia, em seu livro "Problemas da economia socialista chinesa", condena o desprezo com que era vista na China, até 1978, a "Lei objetiva da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o nível de desenvolvimento das forças produtivas", assim formulada por Marx, no prólogo de sua obra "Contribuição à crítica da economia política":
"Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que nela caibam, nem jamais aparecem novas e mais altas relações de produção, antes que as condições materiais para sua existência tenham amadurecido no seio da sociedade anterior. Por isto, a humanidade se propõe sempre unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, sempre observamos que estes objetivos só vingam quando já se dão ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização".
TODAS AS INICIATIVAS
É exatamente sob tal orientação que hoje são permitidas na China, além da estatal, todas as formas de empreendedorismo: a privada, a coletiva, a mista (da estatal com a privada nacional, da estatal com a privada estrangeira, da privada nacional com a privada estrangeira, da estatal chinesa com estatal estrangeira) e até a da iniciativa privada 100% estrangeira, desde que dedicada à importação de tecnologia e à exportação de sua produção, a fim de render divisas para o País. Mais de 60% do PIB chinês já é proveniente da iniciativa privada.
Antes mesmo disso tudo, já em 1962, Deng Xiaoping já se saia com a polêmica metáfora: Pouco importa que o gato seja preto ou amarelo, o que interessa é que ele cace os ratos".
REMOVENDO O "ESQUERDISMO"
Na mesma ocasião, num balanço das quase quatro décadas anteriores, ele dizia:
"A verdade é que, nestes 38 anos desde 1949, cometemos uma montanha de erros. Nossa meta fundamental – construir o socialismo – é correta, mas ainda estamos tentando compreender o que seja socialismo e de que forma construí-lo. A principal tarefa do socialismo é desenvolver as forças produtivas. (...) Contudo, nós atuamos muito mal no desenvolvimento das forças produtivas. E isso principalmente porque tivemos pressa demais, adotamos políticas de "esquerda", e o resultado foi que, em vez de acelerar o desenvolvimento das forças produtivas, nós o atrapalhamos. Começamos pelos nossos erros "esquerdistas" no campo da política, em 1957; no campo econômico, esses erros conduziram ao 'grande salto adiante' de 1958, o qual redundou em penúria para o povo e estragos imensos na produção. De 1959 a 1961, passamos por tremendas dificuldades – a população não tinha o que comer, para não mencionar outras coisas. Em 1962, as coisas começaram a melhorar, e a produção
Voltou gradualmente ao nível anterior. Mas o pensamento de "esquerda" persistia. Então, em 1966, veio a 'revolução cultural', que durou uma década inteira, um verdadeiro desastre para a China. (...)Diziam-nos que devíamos estar satisfeitos com a pobreza e o atraso, e que era melhor ser pobre em um regime socialista e comunista do que ser rico em um regime capitalista. Foi este o tipo de asneira propagada pela 'bando de 4'. A tese absurda do 'bando de 4' sobre socialismo e comunismo só gerou pobreza e estagnação.
"Nos dois primeiro anos, depois que esmagamos o 'bando de 4', nem todos os erros de 'esquerda' foram corrigidos. Os anos de 1877 e 1978 foram um período de hesitação na China. Só em dezembro de 1978, quando o 11.o Comitê central realizou sua 3.a Sessão Plenária, foi que passamos a fazer uma análise séria de nossas experiências ao longo dos 30 anos desde a fundação da Nova China. Formulamos então uma série de novas políticas, notadamente a política de reforma e a política de abertura, tanto interna como externa. Definimos uma nova linha mestra que mudaria o foco de nosso trabalho para a construção econômica, derrubando todos os obstáculos e devotando todas as nossas energias ao avanço da modernização socialista. Para alcançar a modernização, implementar a reforma e fazer a abertura política, precisamos, internamente, de estabilidade política e unidade e, externamente, de um ambiente internacional pacífico. Com isto em mente, firmamos uma política externa que,em essência, cifra-se na oposição ao hegemonismo e na preservação da paz mundial".
REMOVENDO AS DIFERENÇAS
Para que se efetive a meta de estabilidade, unidade e harmonia, a liderança chinesa tem hoje como prioridades reduzir os principais desequilíbrios existentes, como as diferenças de renda entre ricos e pobres; a diferença entre os níveis de desenvolvimento dos centros urbanos e do meio rural; tratam também de promover no Centro e no Oeste do País o nível de desenvolvimento conseguido nas províncias litorâneas do Leste.
Outras prioridades: impor um paradeiro à corrupção burocrática, responsável pelo desvio anual de bilhões de yuans; conter a devastação ecológica ocasionada por uma industrialização descontrolada, a qual afetou profundamente o solo, a água e o ar, por toda parte.
* Jayme Martins, jornalista, é diretor da Overchina Editora.,Diretor de Comunicação da Câmara de Comércio & Indústria Brasil-China; viveu na China por 20 anos (1962-79 e 1987-89), como correspondente de vários órgãos da mídia brasileira (O Globo, Estadão, JT, SBT, Rádio Guayba, Rádio Eldorado), foi copidesque do Serviço de Português da Rádio China Internacional e professor de Português na Universidade de Línguas Estrangeiras; jayme.overchina@gmail.com ).